sábado, 31 de janeiro de 2009

Apocalipse now

Em um debate sobre a crise, quatro especialistas convidados para o Fórum Social Mundial trouxeram más notícias. Pareciam os quatro cavaleiros do apocalipse. Segundo eles, os problemas estão só no começo e vão se aprofundar, jogando milhões de pessoas no desemprego. E as esquerdas, alerta um dos debatedores, estão paralisadas, sem coragem de denunciar isso e exigir mudanças reais. A análise é de Bernardo Kucinski.

Bernardo Kucinski

BELÉM - Tenho más notícias. A crise econômica está só no começo. Vai se aprofundar, durar anos, jogar milhões no desemprego e na rua da amargura. A profecia é de gente que entende, quatro especialistas convidados para o Fórum Social Mundial em um debate organizado por uma entidade também respeitável, a Fundação Friedrich Ebert. Pareciam os quatro cavaleiros do apocalipse.
Um deles, Joseph Borrell, com PhD em economia, ex-ministro de Obras da Espanha, cheio de outros títulos e credenciais, disse com todas letras que “os banqueiros que provocaram essa crise deveriam ser presos e processados por crimes contra a humanidade,” tal o estrago que provocaram no mundo e ainda provocarão. Mas em vez disso, estão soltinhos da vida, e ainda levaram de prêmio milhões de dólares como bônus de gratificação.
Na Espanha, diz Borrell, um milhão de pessoas perderam o emprego só nos três últimos meses. A taxa de desemprego deve atingir 17% da força de trabalho, a que havia na Espanha 15 anos atrás. “Recuamos 15 anos de nossa história econômica”, diz ele. Outra dimensão da profundidade da crise na Espanha é o estoque de 12 milhões de moradias vazias, sem comprador.
O economista do DIEESE Adhemar Mineiro, escolado e escaldado em economia internacional, disse que se trata de uma crise de todo o sistema econômico baseado na supremacia do capital financeiro e expansão ilimitada do crédito. Não é coisa pequena, localizada. É uma crise estrutural desse modo de produção e consumo.
A idéia de que a América Latina estaria imune ou menos vulnerável aos efeitos da crise também já foi para o ralo. Adhemar ressaltou o fato de que previsões cada vez mais pessimistas estão se sucedendo com rapidez. A previsão de que o PIB do Brasil cresceria 4% este ano foi rapidamente rebaixada à metade e hoje já se fala em crescimento zero.
O prognóstico é ainda pior para outros países da América Latina, de economia menos diversificada, que dependem de exportação de uma ou duas commodities, como Venezuela, Argentina, Chile. Vai ser pesado o efeito combinado do estrangulamento do crédito e queda no preço das commodities.
O sistema simplesmente parou e não conseguem religá-lo, diz Oscar Ugarteche, do Instituto Nacional de Pesquisas do México. Outro que tem Phd. Para ele ainda estamos na primeira etapa da crise. Uma montanha de títulos podres continua entupindo o sistema. O total de títulos e papéis criados pelos bancos é de 16 vezes o valor da riqueza real que os poderia lastrear. Essa montanha de títulos podres ainda está para desabar, só não se sabe quando e como. A bolha das hipotecas foi só a primeira.
Igualmente agourenta estava Modly McCoy, ativista da Confederação Internacional Sindical, que atua em nome dos trabalhadores no FMI e Banco Mundial. O discurso dessas entidades mudou com a crise, mas a prática não. Mesmo nos empréstimos emergenciais oferecidos nos últimos meses para tentar aplacar a sede de crédito continuaram impondo as condicionalidades neo-liberais: privatizar a previdência, reduzir salários de funcionários públicos e por aí afora. Não houve mudanças substantivas nessas estruturas de poder.
Por que está tão difícil atacar a crise? Em primeiro lugar porque precisaria haver um novo poder sobre o funcionamento da economia. Não adianta querer que o poder financeiro resolva, diz Adhemar Mineiro. Em segundo lugar, a crise já é global, mas as medidas anti-cíclicas que vêm sendo tomadas limitam-se a países. Poderiam até dar resultado nos marcos de uma integração regional porque a produção hoje em dia se dá numa escala que exige mercados ampliados, diz Oscar Ugarteche.
O pior de tudo, diz Joseph Borrell, é que a condução das soluções está nas mãos dos mesmos sujeitos que provocaram a crise. Os governos estão enchendo os bancos de dinheiro, sem exigir nada em troca. Ao contrário, ainda prometem que vão fazer de tudo para não nacionalizar os bancos, e pedem desculpas, se tiverem que nacionalizar será tudo temporário. E os paraísos fiscais, que ele chama de “o lado escuro do sistema financeiro”, continuam intocáveis”.
“As esquerdas não tem coragem de denunciar tudo isso e exigir mudanças reais. Estão paralisadas.”

domingo, 25 de janeiro de 2009

Filosofia e Educação

Para que Filosofia da Educação?

Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples: porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise.

Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo.

Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146): “se um professor ou líder educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um educador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”.

Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas alguns.

Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a situação espácio-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.

Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam Binet e Simon correr “o risco de um cego empirismo quem se conforma em aplicar um método pedagógico sem investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia.

A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema educacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais: “Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos belíssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.

A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é que também o educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumentos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre questionando e se questionando.

A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis! Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares.

Conclusão

Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se relaciona intimamente com a função nem sempre levada a sério e, não obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume, de certo modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o processo educacional. Ela se faz presente no início do processo, ao estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e executamos as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora, avaliar é emitir juízos de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente uma posição filosófica, uma filosofia.

Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da educação!

Referências bibliográficas

BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.

JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.

SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980. 224 p.

KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.

Extraído de Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 21, n. 85, p. 29-36. Revisado e modificado pelo autor em 18/02/2001

Tinha que acabar assim mesmo!

Pra começar, clique aqui para lançar sapatos no Bush.
Depois de dois mandatos de pura ignorância e desrespeito com o ser humano, com o meio ambiente e com si próprio, o pior presidente dos EUA de todos os tempos termina seu mandado em grande estilo: recebeu a pior ofensa que alguém pode receber do mundo muçulmano, ou seja, uma "sapatada". Jogar sapatos entre os muçulmanos é uma humilhação tão grande que até, antes de Bush, o Sadan recebeu no momento em que foi deposto. Se bem que as "sapatadas" em Sadan se direcionaram à sua estátua, mas isso não faz diferença, pois a semelhança é brutal. Dois tiranos covardes recebendo a mesma premiação ao final de suas jornadas.
A minha lamentação é que o jornalista que atirou o sapato não tinha uma mira assim tão acertiva quanto os mísseis lançados por Bush no Afeganistão e no Iraque. O sapato passou a centímetros de sua imensa cara-de-pau mas foi o suficiente para entrar na História como último ato solene da chamada "Era Bush".
Ao contrário, George W. Bush acerta em cheio os seus "sapatos" no seu próprio povo quando debita em suas contas o custo da tal "crise de confiabilidade do sistema capitalista". Essa "sapatada" vai demorar pra sair do cara do povo que o rejeita e lhe dá o título de pior presidente dos EUA da História. Nunca um presidente estadunidense foi tão hostilizado por onde passou. Em sua posse, até ovos foram jogados na comitiva rumo à Casa Branca.
Esperamos que Obama entenda que ele é a "sapatada" do povo na cara de Bush e que ao contrário do jornalista iraniano, essa pegou em cheio, bem no meio da cara.
Não poderia deixar de indicar aqui o glorioso vídeo que mostra a célebre e histórica cena.
http://tvuol.uol.com.br/#list/type=tags/tags=1105
Luiz Carlos Rodrigues é Historiador, Professor de Sociologia da Educação e Filosofia da Faculdade Aldeia de Carapicuíba (FALC) e Professor de História da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

O império da futilidade

Ser fútil é uma escolha individual ou uma condição social? Até que ponto o indivíduo escolhe em querer ser um elemento ativo no meio em que vive ou ser mais um "zumbi" consumista, teleguiado pelo capitalismo neoliberal.
Algumas condições estão postas; A primeira delas é o fato de que a escola pública carece de condições materiais para oferecer uma Educação de qualidade. Essas condições materiais vão desde melhores ambientes para alunos e professores, passando por melhores salários e infra-estruturas adequadas ao século XXI até redução de alunos por sala de aula. Ainda que essas condições sejam extremamente desfavoráveis, muitos alunos e professores conseguem desenvolver seus objetivos. Prova disso são os índices de aprovação em universidades públicas de alunos que vem do ensino público, segundo dados oficiais do MEC. Não podemos culpar somente a estrutura educacional pela falta de interesse dos alunos. Algo os faz virar as costas para o conhecimento e voltarem-se para a futilidade e para a confortabilidade de deixar com que a mídia neoliberal pense e determine suas ações, seus gostos, seus pensamentos, suas vontades e desejos. O "MSN", "ORKUT", o "BLACK" e o "FUNK" parecem determinar um estilo de comportamento que distancia os indivíduos do interesse pelo conhecimento. O pior é que a mídia neoliberal, a qual tem por missão transformar todo mundo em potencial consumidor, distorce a essência desses elementos sociais. O "MSN" era para facilitar a comunicação pessoal e profissional e não para impôr uma forma bizarra de escrita, a qual limita o vocabulário e, por conseqüênte a capacidade do indivíduo de analisar e se relacionar com o meio em que se insere. O "ORKUT" deveria ser utilizado para aproximar pessoas e para ser uma importante ferremente de informação, prestação de serviço e socialização, mas acabou se tornando um grande fórum de fofocas, pornografias, baixarias, preconceitos e por ai vai. Ainda bem que a generalização é tola e aqui não vou cometer esse erro, pois há de encontrarmos páginas no "ORKUT" que valem à pena serem exploradas. Ainda sim, infelizmente, o "ORKUT" é, no limite, pelo menos no Brasil, um espaço para a proliferação de uma forma de escrita deturpadora da Língua portuguesa e limitadora da capacidade cognitiva do ser humano.
Finalizando, é muito engraçado ver um bando de pessoas que "amam" a "BLACK MUSIC" mas que odeiam a "MÚSICA NEGRA". Basta perguntar para os fãs do Snoop Dog e do 50 Cent se eles gostam de Milton Nascimento, de Gilberto Gil ou de Seu Jorge. É lamentável constatar isso e, pior ainda, é falar em "BLACK MUSIC" sem sequer saber quem foi Ray Charles ou James Brow.
Com relação ao "FUNK", ocorre um fenômeno pior ainda. Alguém na mídia determinou que um monte de baixarias se denominasse "FUNK" e as pessoas menos cautas acreditaram e absorveram a idéia como verdade absoluta. "FUNK" no Brasil tem a ver com Jorge Benjor, Fernanda Abreu, Fausto Fawcett, Edi Motta e outros mais. Desse "FUNK PANCADÃO" que a mídia neoliberal criou, nada é aproveitável. Só se observa apologia ao crime, às drogas e a violência, sem falar no machismo, o qual, lamentavelmente, é aceito dentro desse universo de alienação, preconceito e maldade. É pena que muitas mulheres respondam ao grito "SÓ AS CACHORRAS" declamado por uma dessas versões "funkeiras" que rodam por ai. Elas vão dizer: "mas é só uma música!". Na verdade, não é só uma música, mas sim, apologia declarada e direta ao machismo. Ao renponder essa frase (ou a esse cjamado), aceitando de forma descontraída, significa dizer que as mulheres se sentem mesmo "CACHORRAS" e gostam da maneira pela qual são tratadas. Acho que não é só uma música, mas sim um estilo de vida e uma forma de encarar as relações entre as pessoas, uma ideologia. Lamentavelmente muitas mulheres (muitas mesmo) aceitam o machismo dessas músicas e até dançam, como se celebrassem o machismo e a derrota daquelas que ainda buscam uma sociedade justa entre homens e mulheres.
Concordam que é uma questão de escolha? Portanto, "viva as CACHORRAS"!


Luiz Carlos Rodrigues é Historiador, Professor de Sociologia da Educação e Filosofia da Faculdade Aldeia de Carapicuíba e Professor de História da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

O criador da sociologia da educação

Para o sociólogo francês, a principal função do professor é formar cidadãos capazes de contribuir para a harmonia social.
Professor Luiz Carlos Rodrigues / Sociologia da Educação / FALC – Faculdade Aldeia de Carapicuíba / SP
Em cada aluno há dois seres inseparáveis, porém distintos. Um deles seria o que o sociólogo francês Émile Durkheim chamou de individual. Tal porção do sujeito, o jovem bruto, segundo ele, é formada pelos estados mentais de cada pessoa. O desenvolvimento dessa metade do homem foi a principal função da educação até o século XIX. Principalmente por meio da psicologia, entendida então como a ciência do indivíduo, os professores tentavam construir nos estudantes os valores e a moral. A caracterização do segundo ser foi o que deu projeção a Durkheim. "Ele ampliou o foco conhecido até então, considerando e estimulando também o que concebeu como o outro lado dos alunos, algo formado por um sistema de idéias que exprimem, dentro das pessoas, a sociedade de que fazem parte", explica Dermeval Saviani, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas.
Dessa forma, Durkheim acreditava que a sociedade seria mais beneficiada pelo processo educativo. Para ele, "a educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta". E quanto mais eficiente for o processo, melhor será o desenvolvimento da comunidade em que a escola esteja inserida.
Nessa concepção durkheimiana, também chamada de funcionalista as consciências individuais são formadas pela sociedade. Ela é oposta ao idealismo, de acordo com o qual a sociedade é moldada pelo "espírito" ou pela consciência humana. "A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela", escreveu Durkheim.
Essa teoria, além de caracterizar a educação como um bem social, a relacionou pela primeira vez às normas sociais e à cultura local, diminuindo o valor que as capacidades individuais têm na constituição de um desenvolvimento coletivo. "Todo o passado da humanidade contribuiu para fazer o conjunto de máximas que dirigem os diferentes modelos de educação, cada uma com as características que lhe são próprias. As sociedades cristãs da Idade Média, por exemplo, não teriam sobrevivido se tivessem dado ao pensamento racional o lugar que lhe é dado atualmente", exemplificou o pensador.
Bem-estar social e formação do cidadão
Durkheim não desenvolveu métodos pedagógicos, mas suas idéias ajudaram a compreender o significado social do trabalho do professor, tirando a educação escolar da perspectiva individualista, sempre limitada pelo psicologismo idealista influenciado pelas escolas filosóficas alemãs de Kant (1724-1804) e Hegel (1770-1831). Segundo Durkheim, “o papel da ação educativa é formar um cidadão que tomará parte do espaço público e não somente o desenvolvimento individual do aluno", explica José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Nas palavras de Durkheim, "a educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança estados físicos e morais que são requeridos pela sociedade política no seu conjunto". Tais exigências, com forte influência no processo de ensino, estão relacionadas à religião, às normas e sanções, à ação política, ao grau de desenvolvimento das ciências e até mesmo ao estado de progresso da indústria local.
Se a educação for desligada das causas históricas, ela se tornará apenas exercício da vontade e do desenvolvimento individual, o que para ele era incompreensível: "Como é que o indivíduo pode pretender reconstruir, por meio do único esforço da sua reflexão privada, o que não é obra do pensamento individual?" E ele mesmo respondeu: "O indivíduo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido, a saber quais são suas origens e as condições de que depende. E não poderá sabê-la sem ir à escola, começando por observar a matéria bruta que está lá representada." Por tudo isso, Durkheim é também considerado um dos mentores dos ideais republicanos de uma educação pública, monopolizada pelo Estado e laica, liberta da influência do clero romano.
Ação educativa e autoridade do professor
Durkheim sugeria que a ação educativa funcionasse de forma normativa. A criança estaria pronta para assimilar conhecimentos e o professor bem preparado, dominando as circunstâncias. "A criança deve exercitar-se a reconhecer [a autoridade] na palavra do educador e a submeter-se ao seu ascendente; é por meio dessa condição que saberá, mais tarde, encontrá-la na sua consciência e aí se conformar a ela", propôs ele. Em Durkheim, “a autonomia da vontade só existe como obediência consentida", diz Heloísa Fernandes, da Faculdade de Ciências Sociais da USP. O sociólogo francês foi criticado por Piaget (1896-1980) e Bourdieu (1930-2002), defensores da idéia de que a criança determina seus juízos e relações apenas com estímulos de seus educadores, sem que estes exerçam, necessariamente, força autoritária sobre ela.
Época de efervescência científica e política
A segunda metade do século XIX marca o nascimento de algumas ciências humanas, como Antropologia, Sociologia, Psicanálise e Lingüística. Charles Darwin (1809-1882), Karl Marx (1818-1883) e Sigmund Freud (1856-1939), para citar apenas alguns clássicos, estavam formulando as idéias que reorientariam o pensamento mundial mais tarde, assim como fez Durkheim no campo da Sociologia.
A França vivia um período de conflitos. Parte da região da Lorena, onde Durkheim nasceu, foi tomada pela Alemanha em 1871, o que levou à guerra entre os dois países. Nesse mesmo ano, foi proclamada a Terceira República Francesa, que implantou medidas políticas inovadoras, como a instituição da lei do divórcio. Na educação, devido também à influência das concepções de Durkheim, a Terceira República trouxe a obrigatoriedade escolar para crianças de 6 a 13 anos e a proibição do ensino religioso nas escolas públicas, ideais que até hoje estão entre os pilares educacionais naquele país. Tais transformações foram fundamentais para a preocupação de Durkheim com a formação de professores para a nova escola laica republicana. Ele viveu também no período da chamada Segunda Revolução Industrial, quando o motor de combustão interna, o dínamo, a eletricidade, o telégrafo e o petróleo tomaram a atenção do mundo todo. Morreu durante a Primeira Guerra Mundial, no ano da Revolução Russa (1917).
Durkheim e a educação: padrão social
A elaboração, adoção e socialização dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foi uma grande conquista para a educação brasileira. Houve padronização na indicação dos conteúdos curriculares e uma clara demonstração do que o governo espera dos jovens que deixarão os bancos escolares nos próximos anos. Para o professor Dermerval Saviani, da Unicamp, esse fato tem certa relação com as concepções de Durkheim. "Os currículos são sugeridos para todos. Esses documentos mostram as necessidades da sociedade. Agora, cabe aos estabelecimentos de ensino pegar essas indicações e moldá-las aos estudantes", explica. "A idéia de fundo é colocar as pessoas certas nos lugares certos, onde a comunidade precisa", diz.
Biografia
"A educação tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança estados físicos e morais que são requeridos pela sociedade política no seu conjunto"
"A sociedade e cada meio social particular determinam o ideal que a educação realiza"
Émile Durkheim nasceu em 15 de agosto de 1858, em Epinal, no noroeste da França, próximo à fronteira com a Alemanha. Era filho de judeus e optou por não seguir o caminho do rabinato, como era costume na sua família. Mais tarde declarou-se agnóstico. Depois de formar-se, lecionou Pedagogia e Ciência Social na Faculdade de Letras de Bordeaux, de 1887 a 1902.
A cátedra de Ciência Social foi a primeira da Sociologia em uma universidade francesa e foi concedida justamente àquele que criaria a "Escola Sociológica Francesa". Seus alunos eram, sobretudo, professores do ensino primário. Durkheim não repartiu o seu tempo nem o pensamento entre duas atividades distintas por mero acaso. Abordou a Educação como um fato social. "Estou convicto que não há método mais apropriado para pôr em evidência a verdadeira natureza da Educação", declarou.
A partir de 1902, foi auxiliar de Ferdinand Buisson na cadeira de Ciência da Educação na Sorbonne e o sucedeu em 1906. Estava plenamente preparado para o posto, pois não parara de dedicar-se aos problemas do ensino. Dentro da Educação moral, psicologia da criança ou história das doutrinas pedagógicas, não há campos que ele não tenha explorado. Morreu em 15 de dezembro de 1917, supostamente pela tristeza de ter perdido o filho na guerra, no ano anterior.
Para pensar
Durkheim dizia que a criança, ao nascer, trazia consigo só a sua natureza de indivíduo. "A sociedade encontra-se, a cada nova geração, na presença de uma tábua rasa sobre a qual é necessário construir novamente", escreveu. Os professores, como parte responsável pelo desenvolvimento dos indivíduos, têm um papel determinante e delicado. Devem transmitir os conhecimentos adquiridos, com cuidado para não tirar a autonomia de pensamento dos jovens. A proposta de Durkheim levará o aluno a avançar sozinho? Esse modelo de formação externa contraria a independência nos estudos? Ou será uma condição para que a educação cumpra seu papel social e político?
Quer saber mais?
DURKHEIM, Emile, A Evolução Pedagógica, Editora Artmed.
RODRIGUES, José Albertino (org.), Durkheim, Editora Ática.
DURKHEIM, Emile, Educação e Sociologia, Edições 70.
FERNANDES, Heloísa Rodrigues, Sintoma Social Dominante e Moralização Infantil, Edusp e Editora Escuta.