sexta-feira, 1 de março de 2013

Ética Platônica

Temos uma visão extremamente dualista da relação entre corpo e alma, isto é, uma oposição estrutural entre, do lado supra-sensível, a alma e, do lado sensível, o corpo. O corpo é um impedidor, tanto do conhecimento quanto da moral. O corpo impede a cognição, assim como os prazeres corporais impedem o bem-agir.

O corpo não é apenas um receptáculo da alma, que lhe dá vida, e para a qual ele existe como um instrumento em função das atividades anímicas.
O corpo, antes de mais nada, é um cárcere para a alma, um lugar de aprisionamento, podendo impedir tanto o desenvolvimento congitivo, como o ético.
O corpo é a fonte de todos os males: fonte de amores insanos, paixões doentias, cólera, inimizades, ignorância e loucura.

Alguns princípios da ética platônica estão condicionados à distinção entre corpo e alma. Essa distinção que toma o corpo como cárcere, se sobreporá uma outra, metafísica, da alma como ser inteligível e copro como ser sensível.

Fuga do corpo => desejar viver verdadeiramente, ou seja, exercitar a vida na dimensão pura da alma.
Fuga do mundo => tornar-se virtuoso e procurar assemelhar-se ao divino.

Hierarquia de valores:
(i) em primeiro lugar, estão os valores que se assemelham ao divino.
(ii) em segundo, os valores da alma, que é no homem a parte superior.
(iii) em terceiro, os valores do corpo considerados vitais.
(iv) por fim, os bens da fortuna e das riquezas, i.e., os bens exteriores em geral.
“De todos os ben que alguém possui, o mais divino, depois dos deuses, é a alma, que é o bem mais individual.”
“Em todo homem, há duas partes: uma superior e melhor, que ordena; outra inferior e pior, que serve; ora, é necessário que cada um honre sempre a parte que nele ordena, de preferência, àquela que serve.”

Se há uma distinção metafísica entre corpo e alma e, além disso, o corpo é visto como um cárcere da alma, é evidente que o prazer, ligado aos sentidos do corpo, não poderia ser senão desvalorizado. Se formos mais radicais, uma vez que ele submete a alma à realização dos prazeres corporais, então o praze rnão pode ser considerado um bem, mas, ao contrário, seria a fonte de muitos, senão todos os males morais, isto é, os vícios.

“A alma do verdadeiro filósofo, abstém-se, o mais possível, de prazeres, de desejos e de medos, considerando que aquele que se deixa cativar além da medida pelos prazeres, não recebe um mal tão grande como se ficasse enfermo ou gastasse parte de suas riquezas para satisfazer às suas paixões, mas recebe o mal maior que imaginar se possa e não ai na conta disso.” – dialogo Fedon, 83 b-e.

O prazer aprisiona a alma no corpo, fazendo com que ela seja escrava dele em vida e que, de tão submetida à satisfação dos prazeres corporais, não possa sequer usufruir da pureza como fazem todas as almas ao se libertarem do corpo, pois logo encarnaria em outro corpo.

Em sua obra, a República, Platão concebe três espécies de prazeres que corresponde a três partes distintas da alma, a saber:

os prazeres ligados às coisas materiais e às riquezas (próprios da parte apetitiva);
os prazeres ligados à honra e à vitória (próprios da parte impulsiva);
os prazeres do conhecimento (próprios da parte racional).
Dentre as três espécies, a última é considerada superior e isso por dois motivos:
(i) o prazer cognitivo provém da parte racional da alma que é superior à apetitiva e à impulsiva por ser autônoma em relação ao corpo, ao contrário às outras duas;
(ii) porque os objetos racionais são muito superiores aos objetos do apetite e do impulso.

Para concluir, tomemos um trecho da República, IX, 585d-e, que revela ser mais verdadeiro os prazeres da alma racional:
“Portanto, o que se torna pleno de coisas que possui mais ser, participando mais do ser torna-se verdadeiramente mais pleno do que aquele que, sendo menos ser, alimenta-se de coisas que também são menos ser.” (República, IX, 585d-e).