sexta-feira, 27 de julho de 2012

Achado escrito inédito de Karl Marx

O artigo “Mercado sem desenvolvimento: a causa da crise” é um dos achados do projeto MEGA – Marx-Engels GesamtAusgabe. A partir dos arquivos de Karl Marx, o MEGA está organizando a imensa obra ainda inédita do filósofo alemão: 114 volumes, o último dos quais será publicado em 2020. O texto em questão, jamais lido no Capital, parece ter sido escrito hoje. Deve-se sua revelação ao jornal "La Repubblica", que publicou o inédito artigo de Marx no domingo (08/01). A tradução é de Moisés Sbardelotto para o "IHU Online"

Mercado sem desenvolvimento: a causa da crise

Por Karl Marx

A enorme quantidade e variedade de mercadorias disponíveis no mercado não dependem apenas da quantidade e da variedade de produtos — mas são, em parte, determinadas pela entidade da parte de produtos produzidos como mercadorias, que deverão, portanto, ser inseridos no mercado para a venda na qualidade de mercadorias.

A grandeza dessa parte das mercadorias vai depender, por sua vez, do grau de desenvolvimento do modo de produção capitalista — que produz os seus próprios produtos apenas como mercadorias — e do grau em que tal modo de produção domina em todas as esferas da produção.

Deriva daí um grande desequilíbrio no intercâmbio entre países capitalistas desenvolvidos, como a Inglaterra, por exemplo, e países como a Índia ou a China. Esse desequilíbrio é uma das causas da crise.

Causa totalmente negligenciada pelos burros que se contentam em estudar a fase do intercâmbio de um produto por outro produto e que esquecem que o produto não é, portanto, em caso algum, mercadoria intercambiável enquanto tal. Isso constitui também a pedra no sapato que leva os ingleses, dentre outros, a querer subverter o modo de produção tradicional existente na China, na Índia, etc., para transformá-lo em uma produção de mercadorias e, em particular, em uma produção baseada na divisão internacional do trabalho (ou seja, na forma de produção capitalista).

Eles conseguem, em parte, esse intento, por exemplo, quando prejudicam os fiadores de lã ou de algodão vendendo seus produtos a um preço inferior ou arruinar o seu modo de produção tradicional, que não é capaz de competir com o modo de produção capitalista ou com o modo capitalista de inserir as mercadorias no mercado.

Embora o capital produtivo, por sua própria natureza, esteja disponível no mercado, isto é, oferecido à venda, o capitalista pode (por um período de tempo longo ou curto, de acordo com a natureza das mercadorias) mantê-lo longe do mercado se as condições não lhe forem favoráveis ou com o fim de especular, ou outro. O capitalista pode subtrair o capital produtivo do mercado das mercadorias, mas, em um momento posterior, será obrigado a reinseri-lo. Isso não tem efeitos sobre a definição do conceito, mas é importante para a observação da concorrência.

A esfera da circulação das mercadorias, o mercado, é, enquanto tal, diferente também fisicamente da esfera da produção, exatamente como são diferentes temporalmente o processo de circulação e o efetivo processo de produção. As mercadorias agora prontas ficam depositadas nos armazéns e nos depósitos dos capitalistas que as produziram (exceto no caso de serem vendidas diretamente), quase sempre só de modo passageiro, antes de serem expedidas para outros mercados.

Para as mercadorias, trata-se de uma estação de preparação a partir da qual serão inseridas na efetiva esfera de circulação, exatamente como os fatores da produção disponíveis permanecem à espera, em uma fase preparatória, antes de serem transportados para o efetivo processo de produção.

A distância física entre os mercados (considerados do ponto de vista da sua localização) e o lugar do processo de produção das mercadorias dentro de um mesmo país, e sucessivamente fora dele, constitui um elemento importante, porque é justamente a produção capitalista que faz com que, para uma boa parte dos seus produtos, o mercado seja constituído pelo mercado mundial. (As mercadorias também podem ser adquiridas para serem retiradas imediatamente do mercado, mas esse elemento deveria ser examinado em outros lugares, assim como a menção anterior às mercadorias que os produtores mantêm longe do mercado).

Consequentemente, é preciso que o mercado se expanda continuamente. Além disso, em todas as esferas individuais da produção, todo capitalista produz de acordo com o capital que lhe é oferecido, independentemente do que fizerem os outros capitalistas. No entanto, não será o seu produto, mas sim o produto total do capital investido nessa particular esfera de produção que irá constituir o capital produtivo, que oferece à venda esta e qualquer outra esfera individual de produção.

É um dado empírico que, embora a dilatação da produção capitalista leve a um incremento, a uma multiplicação do número de esferas de produção, ou seja, de esferas de investimento do capital, nos países de produção capitalista avançada, essa variação jamais mantêm o mesmo ritmo que o acúmulo do próprio capital.

Fonte:

Fundação Maurício Grabois:

http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=7827> Acesso em 13 jan. 2012.

Instituto Humanitas Unisinos:

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505640-mercado-sem-desenvolvimento-a-causa-da-crise-artigo-inedito-de-karl-marx> Acesso em 13 jan. 2012.

Tiradentes. Peculiaridades da República: A mitificação de um herói que não passou de um bode expiatório

O principal objetivo do texto a seguir é o de procurar explanar a situação colonial brasileira na época em que ocorreu a inconfidência mineira. Mais que sua inserção no contexto histórico da época, procurará mostrar um pouco de seus precedentes desde a crise no sistema colonial até a formação da república brasileira e a construção do mito de Tiradentes.
Para isto, é preciso recordar o regime absolutista em meados do século XVIII (Boris Fausto, 1995). Foi quando surgiram os primeiros pensadores liberais como: Montesquieu, Voltaire, Diderot e Rousseau. Seus pensamentos embora diferentes, tinham no princípio da razão um ponto em comum. Seus ideais acabariam atingindo profundamente a toda população mundial, e suas divergências com o sistema vigente colocou em risco toda estrutura feudal, que veio a ruir com a revolução francesa em 1789 e a revolução industrial inglesa nesse mesmo período. É evidente que não foram somente as duas revoluções que acabaram com o antigo regime, existiu todo um processo de desgaste em volta do sistema e que neste contexto não convém ser abordado.
Sendo mais específico, tratarei sobre a questão da metrópole, Portugal. Boris fausto (1995) analisa o país como uma nação atrasada e totalmente dependente da Inglaterra contra seus inimigos Espanha e França. Em 1750, D. José I é elevado ao reinado de Portugal, porém o personagem mais importante foi seu ministro: O marquês de Pombal. Este pegou o país em cacos, com uma economia falida e dependente do dinheiro externo, com uma capital totalmente destruída em 1755 por um terremoto, com um terço das terras do país em nome da igreja (Dom Luís da Cunha, 1976), uma população diminuta, dentre outras situações graves. Tentou reavivar o comércio, com a criação das companhias de comércio no norte e nordeste do Brasil, incentivou a instalação de manufaturas. Confiscou os bens e expulsou os jesuítas do país. Estas sangrias e possíveis soluções já teriam sido anunciadas por D. Luís da Cunha (1976) no reinado anterior a D. José I (o de D. João V), que talvez tivesse oferecido seu aparato ideológico a Pombal, que as pôs em prática assim que se tornou ministro. Com o fim do reinado de D. José, também chegou ao fim a era Pombal, e quem assume o trono é D. Maria I. Os feitos de Pombal foram anulados, a rainha ficou conhecida como “viradeira” (1995, p.112) justamente por ter anulado quase todas as ações políticas de Pombal, como por exemplo a proibição à instalação de manufaturas na colônia.
E é justamente no período de reinado de Dona Maria I que se situa o marco principal do texto: analisar a inconfidência mineira; uma revolução que nem chegou a acontecer, não derramou sangue algum e mesmo assim virou o maior símbolo de resistência contra a metrópole. A começar pelo nome “inconfidência”. Muita gente principalmente depois da instauração da república até os dias atuais se enche de orgulho ao falar da inconfidência e dos inconfidentes. Este termo foi usado pela coroa para qualificar aqueles que tramaram contra ela, que a traíram com o objetivo da independência (das capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro); portanto um termo pejorativo. Aliás o projeto de independência englobava a princípio apenas as três principais capitanias da colônia (movimento portanto regional e não nacional), apesar de no futuro, depois do estabelecimento da independência se estender a todo país. O comandante nos primeiros três anos seria o magistrado e poeta Tomás Antônio Gonzaga e a capital São João Del Rei, próxima à cidade sede da conjura, Vila Rica.
O descontentamento com a coroa era crescente, dentre os inconfidentes muitos foram prejudicados principalmente pelo quinto do ouro (imposto cobrado para quem não atingisse a meta de coleta do ouro estabelecida pela metrópole) e a política de exploração da metrópole, pois destes a maior parte fazia parte da elite colonial. Uma exceção era Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que fazia carreira militar no posto de alferes e “nas horas vagas exercia o ofício de dentista” (1995, p.115). Segundo Boris Fausto Portugal pressionava cada vez mais, seu representante em terras mineiras, Visconde de Barbacena instaurou a derrama (mais um imposto que abrangia todos os habitantes da colônia) e ainda recebeu a incumbência de investigar todos que deviam para a coroa (Os maiores devedores faziam parte da elite). Tiradentes se viu contrariado quando perdeu seu posto de comandante do destacamento dos dragões.
Até então ninguém atrevia a se rebelar contra a coroa, e a elite descontente buscou inspiração em outras revoluções ocorridas pelo mundo afora, principalmente a independência dos Estados Unidos em 1776 e a revolução francesa de 1789, através da experiência vivida por seus membros em países europeus. Em finais de 1788, os inconfidentes começaram a se preparar para o movimento até que um dos seus, Joaquim Silvério dos Reis denunciou seus até então companheiros. Cada membro teve sua prisão decretada e sua sentença anunciada: a pena de morte. A população, horrorizada acompanhava todo processo; estava indignada e ao mesmo tempo com medo da repressão e do que iria acontecer com os onze condenados.
Sentindo que tinha cumprido seu dever – o de intimidar toda a população - a coroa decide abrandar as penas: os conjurados seriam exilados e apenas a pena de Tiradentes foi mantida. Em 21 de abril de 1792 se deu sua execução. O espetáculo da forca, que muitos apenas ouviram falar estava diante de seus olhos. Todos assistiram seu enforcamento, seguido do esquartejamento e a exposição de sua cabeça na praça principal de Vila Rica. Aí se iniciava a construção do maior mito da república brasileira.
Depois da execução de Tiradentes, Silvério dos Reis (que assim como boa parte dos inconfidentes também devera à coroa e o perdão de suas dívidas se deu com sua inconfidência aos inconfidentes como relata José Murilo de Carvalho em sua obra, A formação das almas : O imaginário da república do Brasil (1990) no capítulo que se refere à inconfidência), ficou marcado pela traição, indo morar em vários lugares e sendo hostilizado em todos por onde passou; até mesmo no Maranhão era insultado.
Logo de cara, é evidente que não se poderia fazer nada a fim de engrandecer a figura de Tiradentes até porque os dois imperadores do Brasil eram descendentes da rainha que o condenou. Nesta época ele era apenas um futuro mártir.
No advento da república, passou a se procurar uma figura que valorizasse tal ato, uma figura que significasse bravura, carisma que fosse popular. A temporada de caça ao herói foi aberta. Cogitou – se Deodoro da Fonseca, porém este ainda mantinha suspeitas quanto sua relação com a monarquia, além de ser uma figura militar e não muito popular. Os positivistas indicaram Benjamin Constant, “mas o problema era que ele não tinha cara de herói” (1990, p.56). Outro candidato era Floriano Peixoto, por uns aclamados pela atuação na revolta armada do Rio de Janeiro e na revolta federalista, por outros chamado de déspota. Não servia. Por eliminação chegou-se ao nome de Tiradentes. Digo por eliminação, pelo fato de ninguém do movimento do 15 de novembro ter todos esses atributos, sendo então escolhida uma pessoa que até então se tinha muito pouco documentado.
Após a morte de Tiradentes, a inconfidência era um tema evitado pela coroa, pois a independência do país fora declarada pelo neto de D. Maria I. Na literatura, começam a aparecer as primeiras referências ao herói com As liras de Gonzaga em 1848 (56 anos depois); Castro Alves em sua peça Gonzaga ou a revolução de Minas seria um dos primeiros autores a associar a figura do Mártir à de Jesus Cristo.
Dada a iniciativa, a criatividade foi além; Luís Gama, um abolicionista e republicano (1990), comparou a forca à cruz de Cristo, Rio de Janeiro à Jerusalém, o calvário ao Rocio (Local da forca) (1990) e cada vez mais a figura de Tiradentes, até então sem um rosto ganhou as feições de Cristo. Ultrapassando a aparência física, os atos também foram lembrados, como a falta de resistência à condenação, o beijo nos pés do carrasco simbolizando o perdão, e a morte pelo ideal da independência.
Durante o reinado de D. Maria I e posteriormente do regente D. João, outras revoltas foram surgindo e com elas outros mártires como Frei Caneca na Revolução de 1817 em Pernambuco, ou Bento Gonçalves na Revolução Farroupilha. O gaúcho perde pelo regionalismo de seu levante; já o pernambucano Frei Caneca por sua região se localizar em local afastado do grande eixo da colônia. Outra explicação seria a resistência oferecida à coroa e sua rebeldia; lembrando que Tiradentes morreu como vítima e não como rebelde.
Um outro atributo além de todos já apresentados, seria a identificação de Tiradentes com as três principais aspirações dos brasileiros enquanto colônia: A independência, o abolicionismo e a república.
José Murilo de Carvalho finaliza seu texto dizendo que Tiradentes só sobrevive até hoje, por “sua resistência aos continuados esforços de esquartejamento de sua memória” (1990, p.73)
Já este texto, termino explicando o seu título. A peculiaridade se dá a partir do momento da construção de um herói que não lutou e não resistiu, sua revolução sequer aconteceu. O que aconteceu foi a tentativa de apagar da memória dos brasileiros a época em que o Brasil era subordinado português, expondo apenas uma das inúmeras atrocidades lusas em territórios brasileiros, tentando assim firmar o regime que acabara de nascer: o republicanismo. Por sinal deu certo. Já a dúvida sobre a mitificação do herói não existe. Ele está lá e todos sabemos disso. O que não sabemos, ou pelo menos eu, é se foi mesmo Tiradentes o principal líder desse movimento, se ele realmente pegou a culpa para si enfrentando todas as conseqüências depois, ou se ele apenas entrou de gaiato na história e foi morto apenas para se mostrar que, quem mandava nesta terra era a rainha insana e quem ousasse duvidar acabaria como o mártir.
Outra certeza, é de que todo esse teatro lusitano teve efeito contrário: ao invés de meter medo causou comoção nas pessoas, não só nas mineiras, cariocas ou paulistas e sim nas de outras capitanias, demonstrando um dos primeiros sinais de nacionalismo; não que inconfidência mineira em sua essência tenha sido um movimento nacionalista, mas o que ela desencadeou foi um sentimento, um sentimento do que hoje podemos chamar de identidade brasileira.

Referências Bibliográficas:
CUNHA, D. Luís. Testamento político – Biblioteca de ciências sociais, série 2ª, vol.1, direção de Reynaldo X.C. Pessoa, Maria de Lourdes Janotti e José S. Witter - São Paulo; Alfa – Omega, 1976.
FAUSTO, Boris. História do Brasil – 2ª ed. São Paulo: Fundação do desenvolvimento da educação, 1995.
CARVALHO, José Murilo de. “Tiradentes: um herói para a república” In: A formação das almas: o imaginário da república do Brasil – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Fotografia e História da Educação






Professora Mirtes C. Marins de Oliveira
Mestre e Doutora em Educação PUC-SP
Coord. do Bacharelado em Artes Plásticas da FASM



http://www.hottopos.com/vdletras6/mirtes.htm

terça-feira, 24 de julho de 2012

Foucault e a Educação

Qual a relação de Foucault com a educação? Uma relação óbvia é posta pelo tema do poder. Foucault estudou e descreveu práticas disciplinares. A escola é um lugar chave para “disciplinas”. Assim, estudar o poder na escola, o que se faz nas práticas pelas quais o poder que se faz sentir no âmbito escolar, é algo tem tudo a ver com Foucault.  A questão é saber por qual razão se faz isso?

A melhor razão ainda é a do próprio Foucault. E isso é visível quando perguntamos a Foucault no que ele esteve interessado.

A resposta de Foucault sobre seus interesses foi só uma: o sujeito. A modernidade se preocupou com o sujeito como instância na qual o conhecimento se dá. Caso tenhamos que estudar o conhecimento, então, para os modernos o melhor seria estudar, antes, aquele que conhece – o sujeito. Os filósofos modernos, todos eles, elaboraram o seu desenho de sujeito – o seu mapa do eu. Assim, se há falhas no conhecimento, elas devem ser procuradas antes na instância que conhece que propriamente na narrativa que mostra o conhecido. Foucault entendeu muito bem esse objetivo dos modernos. Mas ele reconsiderou o problema da seguinte maneira: talvez eu não tenha que me preocupar com o sujeito como o local do conhecimento e o elemento que criva o que é o verdadeiro e o falso ou, ao menos, dá o crivo para julgar o verdadeiro e o falso, mas tenha mesmo de saber como é que criamos a figura do sujeito.

Foucault buscou contar a história da subjetividade. Para tal, procurou ver a constituição do indivíduo e, então, a partir daí, contar como a filosofia, por abstração, montou seu conceito de sujeito moderno. A hipótese de Foucault foi a seguinte: os mecanismos de poder, ou seja, as práticas disciplinares, ao longo de toda uma história da cultura e da civilização, buscaram fazer o que Nietzsche chamou de processo de tornar o homem um animal capaz de prometer e cumprir o prometido. Sendo assim, são as práticas disciplinares que forjam aquele que é “consciente de seus pensamentos e responsável pelos seus atos”, o sujeito, aquele que promete e cumpre. O homem assim promete porque a vida social implica em promessas. Cumpre por receios, medos, condicionamentos e, principalmente, culpa e angústia diante do possível arrependimento. Tudo isso, que é tipicamente o que preenche uma subjetividade, é o que se fez por meio de práticas disciplinares. Na escola, então, isso é mais que visível, uma vez que toda a educação moderna é, explicitamente, uma educação voltada para a criação do sujeito no indivíduo.

As práticas disciplinares passaram de violentas para sutis e, então, foram mais eficazes. Isso Foucault mostrou na sua visão história da modernidade. Essas práticas mostraram o que Foucault chamou de positividade do poder. O poder molda, é claro, mas não reprime no sentido do não deixar fazer; o poder se exerce no sentido de tornar o agente mais ativo do que é, fazendo o que é necessário para sua produtividade social enquanto sujeito que se constitui. A construção da identidade, dos sentimentos, das formas de consciência e dos modos de responsabilidades, ou seja, tudo que constitui um sujeito, é algo que, na escola, encontra um ambiente propício para acontecer.

Chegamos, então, na razão pela qual se pode estudar a escola, na ótica de Foucault, e ao mesmo tempo não sair dos objetivos pelos quais se estuda o poder, inclusive na escola. Foucault está preocupado com os processos de subjetivação. O exercício do poder, inclusive e sobretudo na escola, mostra esse panorama.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Filosofia da Educação

 

Para que Filosofia da Educação?

Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples: porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise.

Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qualquer modo que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação” enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da Educação apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo.

Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato. Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146):“se um professor ou líder educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um educador superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior do que precisava ser”.

Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas alguns.

Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a situação espácio-temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir do qual, numa instituição educativa, currículo, planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.

Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam Binet e Simon correr “o risco de um cego empirismo quem se conforma em aplicar um método pedagógico sem investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo, uma filosofia.

A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema educacional brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras principais: “Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em nível de escola, proclamamos belíssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto, caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.

A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é quetambém o educando deve filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo - de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumentos racionais e afetivos para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre questionando e se questionando.

A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há sempre fome de filosofia. Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as juvenis! Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares.

Conclusão

Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se relaciona intimamente com a função nem sempre levada a sério e, não obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume, de certo modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o processo educacional. Ela se faz presente no início do processo, ao estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e executamos as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora, avaliar é emitir juízos de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente uma posição filosófica, uma filosofia.

Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da educação!

Referências bibliográficas

BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.

JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.

SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980. 224 p.

KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.

Extraído de Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 21, n. 85, p. 29-36. Revisado e modificado pelo autor do blog em 23/07/2012.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Educação, Estado e a personificação do caos

por Eliane Ferreira dos Santos

A Educação, como posta hoje, especialmente em maior grau no ensino público, assume em boa parte uma estrutura que não contribui com a crítica aos modelos econômicos vigentes ou mesmo com a construção da cidadania, o que, no limite, é o objetivo primeiro da Educação/Escola dentro de um universo democrático.

A falta de capacidade das escolas em competir com a mídia de massa quando se trata de conscientizar o indivíduo, faz com que tenhamos comportamentos muito mais próximos da ideia de construção de um indivíduo adequado ao consumismo do que da ideia de sujeitos transformadores da realidade.

Diante dessa falha, ou desse distanciamento de propostos e objetivos, os fracassos escolares recaem, em muitas vezes, na figura do professor, determinando uma perspectiva individualizada do problema.

No Brasil, desde o Descobrimento, a prática de personificar a culpa de fracassos políticos, econômicos e sociais se faz presente em todo momento. A Coroa portuguesa tendia a culpar os índios pela promiscuidade que se encontrava a Colônia, mais tarde, a mesma Coroa portuguesa insistiu por séculos na ideia de que o escravo africano era o responsável pelas quedas de produtividade nas lavouras, primeiro de cana e mais tarde de café. Já no século XIX, a Monarquia brasileira, filha da Cora portuguesa, sustentou de forma maquiavélica a necessidade de promover a imigração europeia no fato de que o negro cativo não era “hábil” na lida agroexportadora. Mais adiante, já no período Republicano, os operários eram os culpados pela má organização da industrial nacional, pois estavam, segundo o Estado, “mais preocupados com os sindicatos do que com as máquinas”. Nos períodos mais próximos do nosso cotidiano, vimos recaírem culpas sobre a esquerda e, agora, parece que o alvo escolhido para atribuir a falência da Educação no Brasil é o professor.

Essa tendência de personificar culpa vem de cima para baixo, ou seja, vem do governo para os governados e, esses últimos, tendem a aceitá-la sem questionamentos e sem análises mais coerentes. O Estado brasileiro sempre foi tão convicto de que as pessoas são culpadas por tudo, que projetou o Exército para ter o povo como inimigo. Tirando a Guerra da Tríplice Fronteira, na segunda metade do século XIX e a Segunda Guerra Mundial em meados do século XX, o Exército sempre atuou contra o povo, contendo-o, torturando-o, censurando-o, vigiando-o. Ainda sim, nos dois momentos citados, o Exército não esteve a serviço da população nas empreitadas militares, mas sim na defesa de interesses político-econômicos de outras nações; nos casos citados, a Inglaterra e os EUA respectivamente.

Conclui-se, portanto, que o inimigo do Exército Brasileiro é o povo e, entendo que o Exército é parte do Governo, logo é o Governo que vê o povo como ameaça aos seus interesses, práticas e poderes.