quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Considerações sobre a educação na perspectiva marxista

A “história da humanidade” deve sempre ser estudada e elaborada em conexão com a história da indústria e das trocas. (Marx e Engels)

O tema da educação não ocupou um lugar central na obra de Marx. Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação, muito menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo ensino-aprendizagem. Sabemos que sua principal preocupação fora o estudo das relações sócio-econômicas e políticas e seu desenvolvimento no processo histórico. Entretanto, a questão educacional encontra-se inevitavelmente enredada em sua obra. Existem alguns textos que Marx, juntamente com Engels, redigiu sobre a formação e o ensino em que a concepção de educação está articulada com o horizonte das relações sócio-econômicas daquela época. Assim, para compreendermos qual sua perspectiva na análise do fenômeno educativo precisamos passar pelo seu modo de compreender a sociedade. Na seqüência, nosso propósito é pontuar algumas das questões que, em nosso entender, chamam a atenção para uma re-leitura de Marx e Engels, hoje, no âmbito educacional.

O ponto de partida da história, para Marx, é a existência de seres humanos reais que vivem em sociedade e estabelecem relações. Para ele a essência do homem é o conjunto das relações sociais. Assim, a corporeidade natural é uma condição necessária mas não suficiente. A humanização do ser biológico e específico só se dá dentro da sociedade e pela sociedade. Gadotti (1984) nos lembra que, para Marx, o homem não é algo dado, acabado. Ele é processo, ou seja, torna-se homem e, isto, a partir de duas condições básicas: a) ele produz-se a si mesmo  e, ao fazê-lo, se determina como um ser em transformação, como o ser da práxis e; b) esta realização só  pode ter lugar na história.

O que distingue o ser humano dos outros animais, conforme Marx, é o fato de ele, num dado momento da história, começar a produzir os seus próprios meios de existência. O que o ser humano é coincide com “o que” e “como” ele produz. Ao contrário de Hegel, para quem a consciência determina a vida concreta, real; em Marx é a vida concreta e real que determina a consciência. Assim, “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (MARX; ENGELS, 1999, p. 28).

Deduz-se desta perspectiva que, para a compreensão do processo educativo, deve-se compreender aquele (processo) pelo qual os seres humanos produzem a sua existência, isto é, o processo produtivo, o mundo do trabalho e o âmbito de suas relações. Para essa análise é preciso recorrer à situação da divisão do trabalho, o que permite considerar o grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma sociedade. Assim, podemos tomar como exemplo a divisão entre campo e cidade, entre trabalho comercial e industrial. A divisão do trabalho conduz a diferentes interesses ocasionando até mesmo interesses opostos.

O advento da propriedade privada provocou um mudança decisiva na divisão do trabalho. A partir da divisão do trabalho em  trabalho manual e trabalho intelectual surgem outras dicotomias: gozo e trabalho, produção e consumo, miséria e opulência. Estas dicotomias originam um conflito de interesses: o individual  versus o coletivo, o público e o privado.

Marx e Engels (1999, p. 46) apontam para as conseqüências desta divisão: “(...) com a divisão do trabalho fica dada a possibilidade, mais ainda, a realidade, de que a atividade espiritual e a material – a fruição e o trabalho, a produção e o consumo – caibam a indivíduos diferentes; e a possibilidade de não entrarem estes elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada”.

Aquele caráter edificante, socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo constrói-se na interrelacão com os demais indivíduos, desfaz-se sob a economia capitalista, pois o ser humano passa a representar uma força de trabalho que é vendida aos proprietários dos meios de produção como aparente garantia de sua sobrevivência. A vida torna-se, assim, um simples meio de vida. Como conseqüência disso temos aquilo que Marx denominou como alienação, isto é, o trabalho que o ser humano realiza produz objetos que não lhe pertencem e, além disso, voltam-se contra ele como estranhos. A diferença entre o que ele produz e o que ele é na vida cotidiana aumenta cada vez mais. O trabalho torna-se cada vez mais alheio ao trabalhador. Quanto mais o trabalhador produz, mais ele nega-se a si mesmo, mais arruína-se física e espiritualmente.

A propriedade privada, portanto, constitui a base de todo o processo de alienação. O conceito de alienação mostra concretamente o que impede o desenvolvimento do ser humano e como se pode ultrapassar tais impedimentos. Nos Manuscritos Econômico-filosóficos Marx afirma que a superação da propriedade privada significa a emancipação plena de todos os sentidos e qualidades humanos.

A educação, na sociedade capitalista, é, segundo Marx e Engels, um elemento de manutenção da hierarquia social; ou o que Gramsci denominou como instrumento da hegemonia ideológica burguesa. A igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma ilusão visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca. Atualmente a situação não parece ser muito diferente daquela vivida e descrita por eles.

No entanto, uma das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles designam ensino politécnico ou formação unilateral. Por meio desta educação unilateral o ser humano desenvolver-se-á numa perspectiva abrangente isto é, em todos os sentidos. Conforme Gadotti (1984, p. 54-55) “A integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o  ensino  intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente (técnico e científico).”

Marx e Engels não só indicaram freqüentemente que o trabalho físico sem elementos espirituais destrói a natureza humana como, também, que a atividade intelectual à margem do trabalho físico conduz facilmente aos erros de um idealismo artificial e de uma abstração falsa. Logo, a união entre os dois dá um caráter integral à educação e tomará o lugar da formação unilateral, especializada e alienada.

Assim, o ensino aparece como instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletariado, por si só, não conquista sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado desde o início dos meios que lhe permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um projeto político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são decisivos para a construção da consciência de classe do trabalhador.

Acreditamos que é extremamente pertinente a concepção educativa de Marx e Engels, visto que sua proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital em que o homem humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se e a educação é concebida, não como instrumento de dominação e manutenção do status quo mas, como processo de transformação desta situação.

A obra destes autores constitui uma crítica fundamental à concepção burguesa do ser humano e de educação. Às concepções metafísicas e idealistas, que são fundamentalmente conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista, histórica e dialética, isto é, interessaram-se pelo ser humano real em carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade, visando uma transformação positiva e humanizante. Esta concepção dialético-histórica do ser humano toma como premissa fundamental o fato de ele não ser um dado, mas essencialmente um construir-se. Deste modo, a educação deve vir para corroborar esta construção que não é meramente teórica ou abstrata, mas real, prática.

Na sociedade capitalista contemporânea a educação reproduz o sistema dominante tanto ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. Na concepção socialista, a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação unilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade. O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se diz sobre reprodução, exclusão e dominação. Projetos político-pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.

Bibliografia

GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1984.

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

'O HOMEM TORNA-SE TUDO OU NADA, CONFORME A EDUCAÇÃO QUE RECEBE'

'Fingi ser  gari por 8 anos e vivi como um ser  invisível'

Psicólogo varreu as  ruas da USP para concluir sua tese de mestrado  da 'invisibilidade pública'. Ele comprovou que,  em geral, as pessoas enxergam apenas a função  social do outro. Quem não está bem  posicionado sob esse critério, vira mera sombra  social.


Plínio Delphino, Diário de São  Paulo.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como  gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo.  Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os  trabalhadores braçais são 'seres invisíveis,  sem nome'. Em sua tese de mestrado, pela USP,  conseguiu comprovar a existência da  'invisibilidade pública', ou seja,  uma percepção humana totalmente prejudicada e  condicionada à divisão social do trabalho, onde  enxerga-se somente a função e não a  pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período  como gari, não recebia o salário de R$ 400 como  os colegas de vassoura, mas garante que teve a  maior lição de sua vida:
'Descobri  que um simples bom dia, que nunca recebi como  gari, pode significar um sopro de vida, um  sinal da própria existência', explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na  pele o que é ser tratado como um objeto e  não como um ser humano. 'Professores que me  abraçavam nos corredores da USP passavam por  mim, não me reconheciam por causa do uniforme. As vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos  pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se  tivessem encostado em um poste, ou em um  orelhão', diz.
No primeiro dia de trabalho  paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa  térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que  não tinha caneca. Havia um clima estranho no  ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o  serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou  duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas  pela metade e serviu o café ali, na latinha  suja e grudenta. E como a gente estava  num
grupo grande, esperei que eles se servissem  primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café.  Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de  dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em  que empunhei a caneca improvisada, parece que  todo mundo parou para assistir à cena, como se  perguntasse: 'E aí, o jovem rico vai se  sujeitar a beber nessa caneca?' E eu  bebi. Imediatamente a ansiedade parece que  evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a  contar piada, brincar.
O que você sentiu na  pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos  garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para  pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi  escada, passei pelo segundo andar, passei  na biblioteca, desci a escada, passei em frente  ao centro acadêmico, passei em frente a  lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz  todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu.  Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo  tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e  a tampa da cabeça era como se ardesse, como se  eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti  o gosto da comida e voltei para o trabalho  atordoado.
E depois de oito anos  trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me  habituando a isso, assim como eles vão se  habituando também a situações pouco saudáveis.  Então, quando eu via um professor  se aproximando - professor meu - até parava de  varrer, porque ele ia passar por mim, podia  trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se  tivesse passando por um poste, uma árvore, um  orelhão.
E quando você volta para casa,  para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste,  porque, a partir do instante em que você  está inserido nessa condição psicossocial, não  se esquece jamais. Acredito que essa  experiência me deixou curado da minha doença  burguesa. Esses homens hoje são meus amigos.  Conheço a família deles, freqüento a casa deles  nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar  um trabalhador.
Faço questão de o trabalhador  saber que eu sei que ele existe. Eles  são tratados pior do que um animal doméstico,  que sempre é chamado pelo nome. São tratados  como se fossem uma 'COISA'.
*Ser  IGNORADO é uma das  piores sensações que existem na  vida!"

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Conceitos de Educação



“A educação era capaz de produzir filósofos-reis” – Platão

“A educação deve livrar o aluno da tirania do presente” – Cícero

“A função da educação era de ensinar os jovens como proteger a sua liberdade” – Jefferson

“A educação serve para libertar os jovens dos constrangimentos não-naturais de uma ordem social malévola e arbitrária” – Rosseau

“A moral está jungida às realidades da vida, não a ideais, fins e obrigações independentes das realidades concretas. Os fatos dos quais ela depende, que são seus alicerces, procedem das ligações ativas e recíprocas entre indivíduos, são conseqüências das suas atividades entrelaçadas com a vida dos desejos, crenças, dos julgamentos, das satisfações e dos descontentamentos. Neste sentido a conduta e, conseqüentemente, a moral são sociais (...)” (DEWEY, J. A Natureza Humana e a Conduta, IV, cap. 4, p. 257).

O Conceito de Educação é um conceito difícil de definir, tendo sofrido alterações ao longo dos tempos. Na antiguidade os fatos eram transmitidos pela sua demonstração, cativando deste modo a atenção dos ‘alunos’. Mas com o aumento abrupto e exponencial da informação, e também de pessoas sedentas de informação, não se soube encontrar um método de ensino capaz de transmitir os fatos com uma componente prática, chegando-se ao atual estado de ensino teórico e rígido.

O CLÁSSICO CONCEITO DE EDUCAÇÂO

Na concepção tradicional de Educação, o aluno chega á escola com a ‘cabeça vazia’, cabendo à escola colocar-lhe um conjunto de conhecimentos factuais e habilidades intelectuais, testando periodicamente a aquisição destes conhecimentos através de provas e exames. As habilidades intelectuais mais valorizadas são a lingüística (capacidade de ler, compreender e escrever textos) e a lógica-matemática (capacidade de processar informação quantitativa). Deste modo, o aluno atravessa um percurso, em que etapa após etapa, de um modo previamente estabelecido lhe são despejados conhecimentos que tem de assimilar com o objetivo de passar para a próxima fase. Deste modo, o conjunto de fatos que lhes eram transmitidos não eram sinônimos dos conhecimentos adquiridos, porque basicamente este método apenas incentivava a memorização dos fatos e não as capacidades cognitivas tais como a interpretação, julgamento e decisão dos fatos, ignorando os estilos individuais de aprendizagem de cada aluno.

A idéia orientadora é ‘moldar’ os alunos para o mundo fabril que os espera, usando técnicas semelhantes a uma linha de montagem; salas de aulas isoladas e limitadas em recursos; mesas e cadeiras alinhadas em filas; o professor desempenhando a função de dono e empregador principal do conhecimento; e a apresentação da informação limitada aos livros-texto e do quadro negro de uma forma linear e seqüencial. Neste modelo de educação, há poucas oportunidades para a simulação de eventos naturais ou imaginários, tanto para aumentar a compreensão de conceitos complexos como para estimular a imaginação. Outro grande, inconveniente deste modelo, é o fato de haver uma grande divisão do conhecimento não havendo a possibilidade de ver os possíveis interrelacionamentos entre eles.

O NOVO CONCEITO DE EDUCAÇÂO COM O ADVENTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

O conceito anterior tornou-se incapaz de lidar com as constantes mudanças que a sociedade se depara. O aumento do volume de informação disponível ao cidadão comum, e em especial aos profissionais que têm como parte do seu trabalho diário a tarefa de tomar decisões; a dificuldade em lidar com sistemas com maior ou menor grau de integração e necessidade de fazer relacionamentos entre novos campos do conhecimento antes isolados; o estabelecimento de novos padrões de comportamento social; a migração do trabalho regular para o trabalho em casa; a constante formação e reciclagem dos profissionais; a internacionalização do conhecimento, etc. Por todos estes motivos, a escola deve ser um espaço privilegiado, rico em recursos que promova a aprendizagem, em um ambiente onde os alunos possam construir os seus conhecimentos segundo os estilos individuais de aprendizagem que os caracterizam. Para isso, os alunos devem utilizar sistemas interativos apoiados na tecnologia, onde a motivação para a aprendizagem se mostre no aluno, cabendo apenas à escola dotá-lo de capacidades que permitam no seu futuro profissional aprender qualquer assunto que lhe interesse. Nesta filosofia de educação, o professor deixaria de ser um ‘passador’ de conhecimento e se tornaria um guia, um conselheiro, um parceiro do aluno na procura da informação e da verdade, tornando assim mais ativo o papel do aluno na educação.